Por Daniel Schenker, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Há continuidade e ruptura no caminho de Amir Haddad. Escola de Molières, novo espetáculo que tem estreia marcada para sexta-feira no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico, confirma seu vínculo com a dramaturgia de Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière.
Mesmo trabalhando em espaço fechado (mas o mais aberto entre eles, faz questão de frisar o encenador), Haddad permanece sintonizado com o teatro de rua. Foi no momento em que decidiu sair para a rua que o diretor – testemunha da fundação do Teatro Oficina, parceiro artístico de Sérgio Britto no Teatro Senac e figura central em grupos como A Comunidade e Tá na Rua, deu uma guinada em sua carreira, até hoje lembrada por encenações emblemáticas, como Tango e Somma.
Por que o senhor decidiu retomar a dramaturgia de Molière nesse momento?
Quando decidi sair da sala fechada rumo aos espaços abertos procurei recuperar o fio da história. Fui atrás do teatro dos séculos 16 e 17. O improviso de Versalhes não é simplesmente sobre burgueses e marqueses corruptos, sobre a hipocrisia da corte. É um texto sobre teatro, contemporâneo para nós. E ancestral. Queria, através desse trabalho, revisitar o meu passado. Percebo uma identificação entre a minha história e a de Molière. Ele abandonou um tipo de teatro e travou contato com atores da commedia dell'arte, com bufões. Andou pela periferia. Como Molière, Federico García Lorca também trilhou um percurso parecido com o meu: fez teatro em espaços abertos, buscou inspiração na rica cultura de seu povo.
Como foi feita a costura dramatúrgica, a mescla de trechos de várias das peças de Molière?
Fomos nos orientando pelos temas. Abordamos tópicos como a questão conjugal e a oposição entre erudito e popular. O saber erudito traz arrogância e poder. E a hipocrisia gera adeptos no mundo inteiro.
Na sua opinião, o teatro popular está irremediavelmente ligado aos séculos 16 e 17?
À medida que o tempo passou, a burguesia construiu suas salas de espetáculos. Goldoni, no século 18, estabeleceu novas regras: a plateia não gostaria de ser incomodada, a quarta parede seria desejável. Mirandolina é considerada a primeira peça do realismo burguês. Antes, o teatro não servia a uma única classe social. Os atores representavam para os reis e para o povo. A plateia era heterogênea. Molière utilizava uma linguagem popular. Em que medida falavam mal das peças dele porque tinham preconceito em relação ao povo? Mas o popular é permanente, eterno. O que muda é o ideológico. O teatro é eternamente velho e eternamente novo.
Como o senhor explica o fato de um autor popular como Molière pertencer ao chamado período do classicismo francês, juntamente a dramaturgos trágicos como Racine e Corneille, pautados pelo respeito às regras formais?
Ele não era afinado com as regras classicistas. Escrevia tragédias, sob a forma de comédias, como Don Juan e O misantropo.
O senhor destaca uma importante transição na sua carreira: o momento em que aderiu aos espaços abertos. Se por um lado a sua trajetória pode ser encarada através das rupturas, por outro também pode ser analisada como decorrente de uma continuidade, de uma coerência?
Há uma continuidade. Busco o fluxo permanente do teatro dentro do ser humano. Sempre pergunto: o que é teatro? De onde vem? Acho que, ao longo do tempo, recuperei a possibilidade da ancestralidade no teatro.
O senhor localizaria a principal transição na sua carreira no momento em que esteve à frente do grupo A Comunidade?
De certo modo. Foi quando migrei para outro espaço, o do Museu de Arte Moderna. Naquela época, muita gente queria fazer teatro em espaços não convencionais. A contracultura avançava. A cena italiana estava abalada. No final dos anos 70, o teatro voltou a ficar careta. Chegaram a botar tela na frente dos atores.
Nos espetáculos que vem realizando no Espaço Tom Jobim, o senhor dirige os atores como se estivessem na rua?
Sim, ainda que seja, evidentemente, diferente. É o espetáculo que organiza o mundo. Há uma arquitetura no Espaço Tom Jobim que envolve o espectador. É onde exerço de maneira mais livre as minhas conquistas. Das áreas fechadas da cidade, é a mais aberta. Lá, a natureza entra.
Antes do período de ensaios de 'Escola de Molières', o senhor realizou oficinas, como em 'Bodas de sangue'. Foram processos semelhantes?
Foram similares. Ao mesmo tempo, Escola de Molières representou um avanço. Tivemos quatro meses de oficinas. Delas, um grupo de atores foi selecionado. A partir daí, mergulhamos em Molière. Mais do que o elenco de Bodas de sangue, aqui os atores já conheciam minha maneira de trabalhar.
Coletivo de 28 atores em cena
Escola de Molières é composto pela apresentação integral de O improviso de Versalhes – peça escrita em 1663, centrada num grupo de artistas que se vê diante da tarefa de apresentar um trabalho que ainda não está pronto ao rei Luís 16 – e por trechos de vários textos de Molière (Escola de mulheres, Don Juan, O misantropo, Médico à força, As eruditas, O avarento e Doente imaginário), além de cartas e documentos de época. Influência decisiva nas carreiras de Renata Sorrah, Jacqueline Laurence e Pedro Cardoso, Amir Haddad conduz agora um coletivo de 28 atores que conta com as presenças de Tereza Seiblitz, Ângela Rebello, Catarina Abdalla, Regina Gutman, Saulo Arcoverde, Caetano O'Maihlan e Léo Rosa, todos engajados num processo de oito meses (quatro de oficinas, quatro de ensaios).
O espetáculo, que estreia nesta sexta-feira no Teatro Tom Jobim, é a segunda materialização cênica de um projeto de pesquisa e experimentação desenvolvido desde julho de 2008 pelo Espaço Tom Jobim em parceria com o diretor Amir Haddad – a primeira foi Bodas de sangue, de Garcia Lorca, encenada no início do ano passado. Cerca de 150 atores já passaram pelas oficinas, dentre eles Tonico Pereira, Letícia Iris Bustamante e Virgínia Cavendish.
>> Em cartaz
Escola de Molières
Teatro do espaço tom Jobim, Rua Jardim Botânico, 1008 (2274-7012). 6ª, às 21h, Sab. e dom. às 20h30. R$ 50. Estreia sexta-feira.
FONTE: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/07/27/e270720804.asp
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Bortolotto encena a melancolia da meia-idade em espetáculo
MILENA EMILIÃO
da Reportagem Local
O Espaço Parlapatões (centro de São Paulo) recebe, desde sábado (24), o novo espetáculo de Mario Bortolotto, "Música para Ninar Dinossauros", no qual ele escreve, dirige e atua.
O trabalho nasceu da vontade de subir ao palco com dois amigos, Paulo de Tharso e Lourenço Mutarelli. Para eles, criou a história de três homens à beira dos 50 anos incapazes e ter relações convencionais com as mulheres e que, por isso, estão sempre às voltas com prostitutas. Num outro plano, outros três atores representam Igor, Treta e Zed, 20 anos mais jovens.
O espetáculo retrata uma geração que nasceu tarde para participar da revolução sexual dos anos 1960 e que, ao mesmo tempo, já estava velha para ir às ruas com os "caras-pintadas" nos anos 1990.
Apesar disso, não é uma peça sobre a crise da meia-idade, explica Bortolotto. "Eles são três caras que já tinham consciência do buraco em que estavam, estão calmos em relação ao futuro."
"Música... " foi concluída após um assalto em que Bortolotto levou três tiros, em dezembro de 2009. "O incidente acrescentou uma dose a mais de melancolia."
A montagem fica em cartaz até 23 de maio.
FONTE: http://guia.uol.com.br/teatro/ult10053u725115.shtml
da Reportagem Local
O Espaço Parlapatões (centro de São Paulo) recebe, desde sábado (24), o novo espetáculo de Mario Bortolotto, "Música para Ninar Dinossauros", no qual ele escreve, dirige e atua.
O trabalho nasceu da vontade de subir ao palco com dois amigos, Paulo de Tharso e Lourenço Mutarelli. Para eles, criou a história de três homens à beira dos 50 anos incapazes e ter relações convencionais com as mulheres e que, por isso, estão sempre às voltas com prostitutas. Num outro plano, outros três atores representam Igor, Treta e Zed, 20 anos mais jovens.
O espetáculo retrata uma geração que nasceu tarde para participar da revolução sexual dos anos 1960 e que, ao mesmo tempo, já estava velha para ir às ruas com os "caras-pintadas" nos anos 1990.
Apesar disso, não é uma peça sobre a crise da meia-idade, explica Bortolotto. "Eles são três caras que já tinham consciência do buraco em que estavam, estão calmos em relação ao futuro."
"Música... " foi concluída após um assalto em que Bortolotto levou três tiros, em dezembro de 2009. "O incidente acrescentou uma dose a mais de melancolia."
A montagem fica em cartaz até 23 de maio.
FONTE: http://guia.uol.com.br/teatro/ult10053u725115.shtml
quinta-feira, 22 de abril de 2010
O “Oceano” dos Parlapatões e Pia Fraus
Por Clarice Monteiro
Repórter
Fonte: Jornal CORREIO de Uberlândia
O espetáculo “Oceano”, que estreia amanhã em Uberlândia e segue em curta temporada até domingo, promete um mergulho do público em dois universos misteriosos e encantadores: o mundo submarino, com seres e ambientes aquáticos, e o mundo do circo, com números inovadores e uma proposta radical de apresentação.
Conduzido pela trupe do Circo Roda Brasil, o espetáculo idealizado por Hugo Possolo se desenrola com a história de um menino que descobre o fundo do mar ao ser engolido pelo ralo de sua banheira na tentativa de recuperar o seu patinho de borracha. “O show tem um alcance bem lúdico. Fazemos a fusão de vários elementos, tradicionais e contemporâneos, para agradar a todos os públicos de todas as idades”, disse a produtora Alessandra Brantes.
Em "Oceano", o grupo dá continuidade à proposta de renovação da arte circense brasileira, iniciada em 2006, com a formação do Circo Roda Brasil e de seu primeiro espetáculo "Stapafúrdyo, apresentado em mais de 15 cidades brasileiras.
Aos números com palhaços, trapezistas e malabaristas são adicionados novos elementos como rampas de patinação, teatros de bonecos, dança, efeitos especiais, projeções, pernas de pau com jumpers (molas), entre outros. O cenário criado por Luís Frúgoli, com diversos tons de azul, tecidos e as mais diversas criaturas do mar, e a trilha de autoria de Branco Mello, do grupo Titãs, em parceria com Emerson Villani, interagem com as apresentações no picadeiro e envolvem o público na magia da história.
“O circo vinha perdendo seu papel como uma forma de arte. Então o nosso marco é promover a mistura das linguagens da dança, música, teatro e novas tecnologias”, afirmou Brantes.
Segundo a produtora, em Uberlândia, o grupo está experimentando também a apresentação em local diferente. “Geralmente apresentamos sob a lona do circo, de forma bem tradicional. Aqui, por ser uma turnê curta, vamos testar a casa de show. O intuito é criar relação com o público. Queremos que sintam o espetáculo, que se encantem, saiam felizes e voltem.” O local abriga plateia de 800 pessoas.
Disciplina e dedicação para o elenco
Pelo formato diferente da apresentação, em que os números contam uma história, os artistas têm uma rotina de preparo mais exigente que em circos tradicionais. O elenco desempenha vários papéis, por isso, segundo a produtora Alessandra Brantes, os artistas fazem semanalmente aulas de dança e academia, entre outros treinos. “Há um cuidado constante com a alimentação e com o condicionamento da equipe, mas eles são até compulsivos com os ensaios”, disse.
Uma das artistas da trupe, composta de 50 integrantes, sendo 28 do espetáculo “Oceano”, é a acrobata aérea Jassy Brischi, de 25 anos. Há seis ela trabalho com circo. No grupo Circo Roda Brasil, Jassy está presente desde o início do espetáculo “Oceano”, há dois anos. “O bom de trabalhar em espetáculos é que tenho possibilidade de desenvolver o trabalho e ir melhorando a cada apresentação. Mas é uma batalha, porque fazemos musculação e exercícios para manter o alongamento. Tento também conciliar a rotina de viagens com meu namorado, que também trabalha em circo, além das aulas da faculdade”, disse. Jassy, que sempre foi apaixonada pelo circo e está terminando o curso de Artes Visuais. Ela afirma que, mesmo ao se formar, não pretende trocar de profissão. “No circo, todas as artes se juntam.”
Arte circense ganhou espaço
O Circo Roda Brasil, fruto da união dos grupos Parlapatões e Pia Fraus, apresenta-se em inúmeras cidades com o intuito de pulverizar o trabalho circense e posicioná-lo em destaque na arte. Além de investir em pesquisas cênicas e na manutenção e renovação dos repertórios, o grupo integra outras companhias para fortalecer o movimento circense. De acordo com a produtora Alessandra Brantes, é preciso valorizar o circo. “Houve um declínio do circo brasileiro nos últimos anos, mas de 2004 para cá, muita coisa melhorou. Com a criação da coordenação de circo pelo governo, estão sendo elaboradas leis que favorecem o circo e os artistas, com enfoque para questões que antes não eram levantadas, como condições de aposentadoria. Tudo isso ajuda o circo a retomar seu lugar no meio da massa cultural”, afirmou.
O futuro é otimista para o grupo, que já prepara seu terceiro espetáculo (ainda sem nome), com previsão de estreia em setembro deste ano no Rio de Janeiro.
Circo Roda Brasil - "Oceano"
Quando: 23/4 – sexta-feira: 21h; 24/4 – sábado: 16h, 18h e 21h; 25/4 – domingo: 16h e 19h
Local: Acrópole - rua José Resende, 4090 - Custódio Pereira
Quanto: R$ 30 (inteira) R$ 15 (estudante) - A bilheteria na Acrópole abre duas horas antes de cada sessão
Contato para informações: 9226-3424
Repórter
Fonte: Jornal CORREIO de Uberlândia
O espetáculo “Oceano”, que estreia amanhã em Uberlândia e segue em curta temporada até domingo, promete um mergulho do público em dois universos misteriosos e encantadores: o mundo submarino, com seres e ambientes aquáticos, e o mundo do circo, com números inovadores e uma proposta radical de apresentação.
Conduzido pela trupe do Circo Roda Brasil, o espetáculo idealizado por Hugo Possolo se desenrola com a história de um menino que descobre o fundo do mar ao ser engolido pelo ralo de sua banheira na tentativa de recuperar o seu patinho de borracha. “O show tem um alcance bem lúdico. Fazemos a fusão de vários elementos, tradicionais e contemporâneos, para agradar a todos os públicos de todas as idades”, disse a produtora Alessandra Brantes.
Em "Oceano", o grupo dá continuidade à proposta de renovação da arte circense brasileira, iniciada em 2006, com a formação do Circo Roda Brasil e de seu primeiro espetáculo "Stapafúrdyo, apresentado em mais de 15 cidades brasileiras.
Aos números com palhaços, trapezistas e malabaristas são adicionados novos elementos como rampas de patinação, teatros de bonecos, dança, efeitos especiais, projeções, pernas de pau com jumpers (molas), entre outros. O cenário criado por Luís Frúgoli, com diversos tons de azul, tecidos e as mais diversas criaturas do mar, e a trilha de autoria de Branco Mello, do grupo Titãs, em parceria com Emerson Villani, interagem com as apresentações no picadeiro e envolvem o público na magia da história.
“O circo vinha perdendo seu papel como uma forma de arte. Então o nosso marco é promover a mistura das linguagens da dança, música, teatro e novas tecnologias”, afirmou Brantes.
Segundo a produtora, em Uberlândia, o grupo está experimentando também a apresentação em local diferente. “Geralmente apresentamos sob a lona do circo, de forma bem tradicional. Aqui, por ser uma turnê curta, vamos testar a casa de show. O intuito é criar relação com o público. Queremos que sintam o espetáculo, que se encantem, saiam felizes e voltem.” O local abriga plateia de 800 pessoas.
Disciplina e dedicação para o elenco
Pelo formato diferente da apresentação, em que os números contam uma história, os artistas têm uma rotina de preparo mais exigente que em circos tradicionais. O elenco desempenha vários papéis, por isso, segundo a produtora Alessandra Brantes, os artistas fazem semanalmente aulas de dança e academia, entre outros treinos. “Há um cuidado constante com a alimentação e com o condicionamento da equipe, mas eles são até compulsivos com os ensaios”, disse.
Uma das artistas da trupe, composta de 50 integrantes, sendo 28 do espetáculo “Oceano”, é a acrobata aérea Jassy Brischi, de 25 anos. Há seis ela trabalho com circo. No grupo Circo Roda Brasil, Jassy está presente desde o início do espetáculo “Oceano”, há dois anos. “O bom de trabalhar em espetáculos é que tenho possibilidade de desenvolver o trabalho e ir melhorando a cada apresentação. Mas é uma batalha, porque fazemos musculação e exercícios para manter o alongamento. Tento também conciliar a rotina de viagens com meu namorado, que também trabalha em circo, além das aulas da faculdade”, disse. Jassy, que sempre foi apaixonada pelo circo e está terminando o curso de Artes Visuais. Ela afirma que, mesmo ao se formar, não pretende trocar de profissão. “No circo, todas as artes se juntam.”
Arte circense ganhou espaço
O Circo Roda Brasil, fruto da união dos grupos Parlapatões e Pia Fraus, apresenta-se em inúmeras cidades com o intuito de pulverizar o trabalho circense e posicioná-lo em destaque na arte. Além de investir em pesquisas cênicas e na manutenção e renovação dos repertórios, o grupo integra outras companhias para fortalecer o movimento circense. De acordo com a produtora Alessandra Brantes, é preciso valorizar o circo. “Houve um declínio do circo brasileiro nos últimos anos, mas de 2004 para cá, muita coisa melhorou. Com a criação da coordenação de circo pelo governo, estão sendo elaboradas leis que favorecem o circo e os artistas, com enfoque para questões que antes não eram levantadas, como condições de aposentadoria. Tudo isso ajuda o circo a retomar seu lugar no meio da massa cultural”, afirmou.
O futuro é otimista para o grupo, que já prepara seu terceiro espetáculo (ainda sem nome), com previsão de estreia em setembro deste ano no Rio de Janeiro.
Circo Roda Brasil - "Oceano"
Quando: 23/4 – sexta-feira: 21h; 24/4 – sábado: 16h, 18h e 21h; 25/4 – domingo: 16h e 19h
Local: Acrópole - rua José Resende, 4090 - Custódio Pereira
Quanto: R$ 30 (inteira) R$ 15 (estudante) - A bilheteria na Acrópole abre duas horas antes de cada sessão
Contato para informações: 9226-3424
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Chico Buarque Não Gosta de "Roda Viva"...
...mas os diretores de teatro gostam. O que gera um impasse: como convencer o autor a liberar os direitos para montagens?
Por Mariana Delfini
O ator Rodrigo Santiago, caracterizado como Menino Jesus de Praga, é erguido pelo elenco da primeira montagem de Roda Viva. A encenação causou polêmica, entre outras coisas, pelas provocações religiosas.
Em 2005, a diretora teatral Patrícia Zampiroli estava concluindo o curso de Artes Cênicas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, a Unirio, e optou por dirigir a peça Roda Viva, de Chico Buarque, em seu trabalho de conclusão de curso. Foi um sucesso: o espetáculo lotou as sessões na universidade durante os dois meses em que ficou em cartaz. Patrícia, assim, foi convidada a levar o trabalho para o circuito profissional, no Teatro Glória, no Rio de Janeiro. Começaram aí suas tribulações. Para estrear a peça comercialmente, ela precisaria da autorização do autor. Entrou em contato com seu escritório. Chico Buarque estava em Paris, mas sua equipe informou Patrícia que, como a peça estava montada, era só esperar que ele provavelmente liberaria. No retorno, no entanto, Chico não autorizou. Patrícia insistiu, o que só aumentou a animosidade: "Chico ficou chateado, porque a gente insistiu muito, com abaixo-assinados, indo à TV. Disse que liberaria outras peças, se nós quiséssemos, mas não Roda Viva".
Neste ano, outro diretor deve percorrer o mesmo calvário. O paulista Heron Coelho, que já montou outras duas peças de Chico Buarque - Gota D'Água, em 2006, e Calabar, em 2008 - quer agora levar Roda Viva aos palcos. Para a montagem imaginada para este ano, já tem elenco na cabeça e o plano de construí-la na mesma linha de seus trabalhos anteriores: no formato "breviário", usando teatro de arena e música ao vivo. "Eu vou sofrer. Vou ter que vender o carro e o piano, porque preciso de dinheiro para alugar lugar para ensaiar, comprar equipamento, pagar os atores", diz ele. Sua estratégia é montar o espetáculo por conta própria, gravar em DVD e enviar uma cópia a Chico Buarque. Acha que, diante do esforço do diretor e da trupe, o coração do autor talvez amoleça. Mas Heron avisa: "Não vou insistir. Se ele não deixar, acato de primeira". As perspectivas não parecem muito boas. Contatado por BRAVO! para comentar o assunto, Chico Buarque não respondeu, mas sua assessoria de imprensa disse que o autor não pretende afrouxar o veto: "Ele considera que o texto não merece ser remontado por suas deficiências dramáticas".
Roda Viva é um espetáculo que entrou para a história do teatro brasileiro mais pelo alvoroço que provocou, na época da estreia, do que pelo texto em si. Em 1967, o diretor José Celso Martinez Corrêa havia revolucionado a cena nacional com O Rei da Vela, peça do modernista Oswald de Andrade escrita em 1933 e nunca levada ao palco antes. A montagem carregava nas tintas esquerdistas em voga na época. Mas não foi por isso que entrou para a história, e sim pelo virtuosismo técnico do diretor - que fez seus atores satirizarem, no palco, diversas linguagens cênicas, da revista à ópera. Depois de O Rei da Vela, todo mundo queria saber qual seria o próximo passo de Zé Celso. E ele retirou da manga um curinga inesperado, um texto escrito por um jovem titã da canção popular que satirizava justamente a fabricação de ídolos musicais: Chico Buarque.
A peça se tornou um "hype" a partir dos ensaios no Rio de Janeiro, que duraram apenas quinze dias e viraram parada obrigatória para as celebridades da época. Entre elas, o roqueiro Mick Jagger, que estava de passagem pelo Rio de Janeiro antes de se refestelar no sol baiano de Itapuã com sua namorada Marianne Faithfull, e de Miriam Makeba, a cantora sul-africana que apresentava seu sucesso Pata Pata em um especial da TV Record na mesma época. "O público ia ver, os ensaios foram a sensação do verão", lembra Zé Celso. A estreia aconteceu no dia 15 de janeiro, no Teatro Princesa Isabel. "Foi um sucesso estrondoso", diz o diretor.
Roda Viva tinha vários dos elementos que mais tarde se tornariam típicos do estilo de encenação de Zé Celso. O cenário do artista plástico Flávio Império colocava o teatro dentro de um estúdio de televisão, decorado com um São Jorge gigantesco e uma enorme réplica de uma garrafa de Coca-Cola. A atriz Zezé Motta, que fazia sua estreia nos palcos depois de um curso na escola Tablado ("eu era tímida, insegura e virgem", lembra ela), usava na primeira cena uma malha cor da pele, que trazia o logotipo do inseticida Detefon. Ela vinha caminhando desde o fundo do palco junto com atores que representavam outros produtos, falando "Compre! Compre!", em volume cada vez mais alto. Ao chegar na primeira fila, os atores agarravam os espectadores pelos ombros e os sacudiam. Esse recurso de fazer a plateia participar à força- que mais tarde se tornaria uma assinatura de Zé Celso - deu o que falar. É mencionado em várias das reportagens escritas na época.
As mesmas reportagens comentam - abstendo-se às vezes de descrever, por pudor - as cenas de alusão sexual não tão velada, algumas delas blasfemas. Numa delas, a atriz Marieta Severo representava Nossa Senhora de biquíni. Ela rebolava diante de uma câmera de televisão, cuja lente se expandia e contraía. Em outro trecho, um fígado cru de boi era despedaçado e devorado pelo coro, deixando gotas de sangue respingarem na roupa dos espectadores. Alguns iam embora no meio da peça. Outros gostavam, aplaudiam, e até voltavam - mas tomavam o cuidado de mudar de cadeira caso decidissem passar pela experiência novamente.
"TODOS NÓS SABEMOS QUE EXISTE O COITO"
Pouco a pouco, em meio ao grande sucesso, a peça passou a despertar reações adversas. "Todos nós sabemos que existe o coito. Não é necessário repeti-lo com tantos pormenores e realismo num palco", protestou a deputada Conceição da Costa Neves, vice-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, que integrava o time dos opositores. O mal-estar ecoou nos meios políticos. "É uma verdadeira afronta à nossa sociedade e à nossa família", bradou o deputado paulista Wadih Helu, um baluarte conservador que mais tarde faria fama como cartola do Corinthians. "Isso não pode em nenhuma parte do mundo, nem na selva africana, ser chamado de arte. Aquilo é ofensa, aquilo é despudor, aquilo é destruir uma família na sua moral, amolecer uma nação. Aquilo que lá está é um bordel, e não um palco", discursou na Assembleia Legislativa de São Paulo o deputado Aurélio Campos, que havia sido ator de teatro no passado.
As reações contra a peça culminariam em dois episódios de puro vandalismo. Depois de meses de sucesso no Rio de Janeiro, o espetáculo estreou em São Paulo em maio, no teatro Ruth Escobar. No dia 18 de julho, um grupo de baderneiros de direita que se auto-denominava CCC - Comando de Caça aos Comunistas - invadiu a sala ao término do espetáculo armado com cassetetes, facas, soco-inglês e bombas de gás lacrimogêneo, agrendindo os atores e obrigando-os a fugir. O outro episódio de violência ocorreria em outubro, na escala seguinte da turnê, em Porto Alegre. Foi logo no dia 4, o seguinte à estreia da peça. As paredes do teatro apareceram pichadas mensagens como "Fora, agitadores", "Abaixo a pornografia" e "Comunistas". Decidido a ir embora, o elenco foi surpreendido por homens armados, e o músico Zelão e a atriz Beth Gasper foram sequestrados e abandonados em um matagal. No dia 5, os atores embarcaram em ônibus de volta para São Paulo. A peça foi censurada logo depois, e nunca mais seria encenada no circuito profissional.
Roda Viva foi vítima de um espírito de época. Uma época estranha, em que direita e esquerda ainda não haviam conquistado o civilizado espaço da democracia para esgrimir suas teses - algo que felizmente acontece hoje - e se digladiavam de maneira tosca, apelando para o recurso dos pouco inteligentes: a violência. De um lado, o Partido Comunista do Brasil e outras forças autoritárias de esquerda pregavam e praticavam a luta armada — a qual não foi uma reação contra a ditadura, pois começou a ser preparada antes de 1964, ainda em tempos de democracia. De outro, uma ditadura que, como todo regime autoritário, perseguia os opositores com violência - e indiretamente encorajava grupelhos como o CCC, que barbarizavam por conta própria. Foi um tempo que não deixou saudade, em que guerreávamos uns contra os outros, como se fôssemos talibãs. Nesse caldo de intolerância, o mundo artístico, que precisa de liberdade e espaço de debate civilizado para florescer, sempre acaba sofrendo. Aconteceu no Brasil dos anos 60, como no Chile de Pinochet e na Cuba de Fidel, mais ou menos na mesma época .
Para além das provocações e da criatividade exuberante de Zé Celso, o texto tem um enredo simples e carrega algo da ingenuidade política da época. Seu protagonista é o fictício Benedito Silva, com sua trajetória ascendente no mundo do show business. Benedito conta com a ajuda de um empresário, Anjo, que emprega fórmulas mirabolantes. Ele muda o nome do cantor para Ben Silver, e mais tarde para Benedito Lampião - embalagem com a qual se tornaria um produto de exportação. Chega um momento em que o protagonista é levado a se suicidar para se tornar mártir do povo. Resignado com seu destino, depois das devidas despedidas, atira-se em frente a um carro. Rei morto, rainha posta: sua mulher Juliana é quem assume o papel de ídolo, alimentando a roda-viva do que nos anos 60 se costumava chamar de "indústria cultural".
BAIXO CALÃO NO PASQUIM
A resistência de Chico Buarque em liberar Roda Viva para encenação provavelmente não se deve apenas ao fato de o texto ter elementos datados. Existem também reais deficiências de construção dramatúrgica. Para o crítico e pesquisador de teatro Kil Abreu, é possível que Chico Buarque não tolere novas montagens de sua primeira peça justamente por considerá-la uma obra juvenil. "O texto tenta equilibrar a individualidade, na questão do artista que precisa se rebatizar para ser assimilado, e o social, abordando os temas da época de crítica ao consumismo e à televisão", diz ele. "Mas esses temas não são tão bem trabalhados como em Gota D'Água, e a estrutura fica desigual", completa. Segundo Kil, os personagens são também carentes de complexidade. Chico Buarque tem opinião parecida há muito tempo. Em entrevista dada ao jornal carioca Pasquim, em 1975, ele disparou, sem policiar o calão: "Roda Viva, antes que você fale, eu digo: 'É uma merda'".
Os diretores Zé Celso, Heron Coelho e Patrícia Zampiroli não concordam. Eles acham que Roda Viva ainda tem o que dizer nos tempos atuais e também acreditam na qualidade do texto. Existe no Brasil jurisprudência de peça rejeitada, nesse nível, pelo próprio autor? Há casos de excesso de zelo, mas não radicais a esse ponto. O crítico Kil Abreu lembra-se que o paraibano Ariano Suassuna faz uma supervisão rigorosa de seus textos, acompanhando de perto cada montagem. A jornalista Gabriela Mellão se recorda apenas de autores que reescreveram suas peças de juventude, como Plínio Marcos. O veto depois de uma primeira montagem, ao que parece, é situação inédita. E os apelos continuam: "Eu acho que o Chico devia fazer um exame de percepção. Ele, que lutou contra a censura, está censurando sua própria peça. Libera, Chico!", diz Zé Celso, que pede que sua fala seja endereçada como um pedido ao autor.
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Mariana Delfini é jornalista
FONTE: Revista BRAVO! Março/2010 - Edição Online
http://bravonline.abril.com.br/conteudo/teatroedanca/roda-viva-chico-buarque-nao-gosta-roda-viva-538137.shtml
Por Mariana Delfini
O ator Rodrigo Santiago, caracterizado como Menino Jesus de Praga, é erguido pelo elenco da primeira montagem de Roda Viva. A encenação causou polêmica, entre outras coisas, pelas provocações religiosas.
Em 2005, a diretora teatral Patrícia Zampiroli estava concluindo o curso de Artes Cênicas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, a Unirio, e optou por dirigir a peça Roda Viva, de Chico Buarque, em seu trabalho de conclusão de curso. Foi um sucesso: o espetáculo lotou as sessões na universidade durante os dois meses em que ficou em cartaz. Patrícia, assim, foi convidada a levar o trabalho para o circuito profissional, no Teatro Glória, no Rio de Janeiro. Começaram aí suas tribulações. Para estrear a peça comercialmente, ela precisaria da autorização do autor. Entrou em contato com seu escritório. Chico Buarque estava em Paris, mas sua equipe informou Patrícia que, como a peça estava montada, era só esperar que ele provavelmente liberaria. No retorno, no entanto, Chico não autorizou. Patrícia insistiu, o que só aumentou a animosidade: "Chico ficou chateado, porque a gente insistiu muito, com abaixo-assinados, indo à TV. Disse que liberaria outras peças, se nós quiséssemos, mas não Roda Viva".
Neste ano, outro diretor deve percorrer o mesmo calvário. O paulista Heron Coelho, que já montou outras duas peças de Chico Buarque - Gota D'Água, em 2006, e Calabar, em 2008 - quer agora levar Roda Viva aos palcos. Para a montagem imaginada para este ano, já tem elenco na cabeça e o plano de construí-la na mesma linha de seus trabalhos anteriores: no formato "breviário", usando teatro de arena e música ao vivo. "Eu vou sofrer. Vou ter que vender o carro e o piano, porque preciso de dinheiro para alugar lugar para ensaiar, comprar equipamento, pagar os atores", diz ele. Sua estratégia é montar o espetáculo por conta própria, gravar em DVD e enviar uma cópia a Chico Buarque. Acha que, diante do esforço do diretor e da trupe, o coração do autor talvez amoleça. Mas Heron avisa: "Não vou insistir. Se ele não deixar, acato de primeira". As perspectivas não parecem muito boas. Contatado por BRAVO! para comentar o assunto, Chico Buarque não respondeu, mas sua assessoria de imprensa disse que o autor não pretende afrouxar o veto: "Ele considera que o texto não merece ser remontado por suas deficiências dramáticas".
Roda Viva é um espetáculo que entrou para a história do teatro brasileiro mais pelo alvoroço que provocou, na época da estreia, do que pelo texto em si. Em 1967, o diretor José Celso Martinez Corrêa havia revolucionado a cena nacional com O Rei da Vela, peça do modernista Oswald de Andrade escrita em 1933 e nunca levada ao palco antes. A montagem carregava nas tintas esquerdistas em voga na época. Mas não foi por isso que entrou para a história, e sim pelo virtuosismo técnico do diretor - que fez seus atores satirizarem, no palco, diversas linguagens cênicas, da revista à ópera. Depois de O Rei da Vela, todo mundo queria saber qual seria o próximo passo de Zé Celso. E ele retirou da manga um curinga inesperado, um texto escrito por um jovem titã da canção popular que satirizava justamente a fabricação de ídolos musicais: Chico Buarque.
A peça se tornou um "hype" a partir dos ensaios no Rio de Janeiro, que duraram apenas quinze dias e viraram parada obrigatória para as celebridades da época. Entre elas, o roqueiro Mick Jagger, que estava de passagem pelo Rio de Janeiro antes de se refestelar no sol baiano de Itapuã com sua namorada Marianne Faithfull, e de Miriam Makeba, a cantora sul-africana que apresentava seu sucesso Pata Pata em um especial da TV Record na mesma época. "O público ia ver, os ensaios foram a sensação do verão", lembra Zé Celso. A estreia aconteceu no dia 15 de janeiro, no Teatro Princesa Isabel. "Foi um sucesso estrondoso", diz o diretor.
Roda Viva tinha vários dos elementos que mais tarde se tornariam típicos do estilo de encenação de Zé Celso. O cenário do artista plástico Flávio Império colocava o teatro dentro de um estúdio de televisão, decorado com um São Jorge gigantesco e uma enorme réplica de uma garrafa de Coca-Cola. A atriz Zezé Motta, que fazia sua estreia nos palcos depois de um curso na escola Tablado ("eu era tímida, insegura e virgem", lembra ela), usava na primeira cena uma malha cor da pele, que trazia o logotipo do inseticida Detefon. Ela vinha caminhando desde o fundo do palco junto com atores que representavam outros produtos, falando "Compre! Compre!", em volume cada vez mais alto. Ao chegar na primeira fila, os atores agarravam os espectadores pelos ombros e os sacudiam. Esse recurso de fazer a plateia participar à força- que mais tarde se tornaria uma assinatura de Zé Celso - deu o que falar. É mencionado em várias das reportagens escritas na época.
As mesmas reportagens comentam - abstendo-se às vezes de descrever, por pudor - as cenas de alusão sexual não tão velada, algumas delas blasfemas. Numa delas, a atriz Marieta Severo representava Nossa Senhora de biquíni. Ela rebolava diante de uma câmera de televisão, cuja lente se expandia e contraía. Em outro trecho, um fígado cru de boi era despedaçado e devorado pelo coro, deixando gotas de sangue respingarem na roupa dos espectadores. Alguns iam embora no meio da peça. Outros gostavam, aplaudiam, e até voltavam - mas tomavam o cuidado de mudar de cadeira caso decidissem passar pela experiência novamente.
"TODOS NÓS SABEMOS QUE EXISTE O COITO"
Pouco a pouco, em meio ao grande sucesso, a peça passou a despertar reações adversas. "Todos nós sabemos que existe o coito. Não é necessário repeti-lo com tantos pormenores e realismo num palco", protestou a deputada Conceição da Costa Neves, vice-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, que integrava o time dos opositores. O mal-estar ecoou nos meios políticos. "É uma verdadeira afronta à nossa sociedade e à nossa família", bradou o deputado paulista Wadih Helu, um baluarte conservador que mais tarde faria fama como cartola do Corinthians. "Isso não pode em nenhuma parte do mundo, nem na selva africana, ser chamado de arte. Aquilo é ofensa, aquilo é despudor, aquilo é destruir uma família na sua moral, amolecer uma nação. Aquilo que lá está é um bordel, e não um palco", discursou na Assembleia Legislativa de São Paulo o deputado Aurélio Campos, que havia sido ator de teatro no passado.
As reações contra a peça culminariam em dois episódios de puro vandalismo. Depois de meses de sucesso no Rio de Janeiro, o espetáculo estreou em São Paulo em maio, no teatro Ruth Escobar. No dia 18 de julho, um grupo de baderneiros de direita que se auto-denominava CCC - Comando de Caça aos Comunistas - invadiu a sala ao término do espetáculo armado com cassetetes, facas, soco-inglês e bombas de gás lacrimogêneo, agrendindo os atores e obrigando-os a fugir. O outro episódio de violência ocorreria em outubro, na escala seguinte da turnê, em Porto Alegre. Foi logo no dia 4, o seguinte à estreia da peça. As paredes do teatro apareceram pichadas mensagens como "Fora, agitadores", "Abaixo a pornografia" e "Comunistas". Decidido a ir embora, o elenco foi surpreendido por homens armados, e o músico Zelão e a atriz Beth Gasper foram sequestrados e abandonados em um matagal. No dia 5, os atores embarcaram em ônibus de volta para São Paulo. A peça foi censurada logo depois, e nunca mais seria encenada no circuito profissional.
Roda Viva foi vítima de um espírito de época. Uma época estranha, em que direita e esquerda ainda não haviam conquistado o civilizado espaço da democracia para esgrimir suas teses - algo que felizmente acontece hoje - e se digladiavam de maneira tosca, apelando para o recurso dos pouco inteligentes: a violência. De um lado, o Partido Comunista do Brasil e outras forças autoritárias de esquerda pregavam e praticavam a luta armada — a qual não foi uma reação contra a ditadura, pois começou a ser preparada antes de 1964, ainda em tempos de democracia. De outro, uma ditadura que, como todo regime autoritário, perseguia os opositores com violência - e indiretamente encorajava grupelhos como o CCC, que barbarizavam por conta própria. Foi um tempo que não deixou saudade, em que guerreávamos uns contra os outros, como se fôssemos talibãs. Nesse caldo de intolerância, o mundo artístico, que precisa de liberdade e espaço de debate civilizado para florescer, sempre acaba sofrendo. Aconteceu no Brasil dos anos 60, como no Chile de Pinochet e na Cuba de Fidel, mais ou menos na mesma época .
Para além das provocações e da criatividade exuberante de Zé Celso, o texto tem um enredo simples e carrega algo da ingenuidade política da época. Seu protagonista é o fictício Benedito Silva, com sua trajetória ascendente no mundo do show business. Benedito conta com a ajuda de um empresário, Anjo, que emprega fórmulas mirabolantes. Ele muda o nome do cantor para Ben Silver, e mais tarde para Benedito Lampião - embalagem com a qual se tornaria um produto de exportação. Chega um momento em que o protagonista é levado a se suicidar para se tornar mártir do povo. Resignado com seu destino, depois das devidas despedidas, atira-se em frente a um carro. Rei morto, rainha posta: sua mulher Juliana é quem assume o papel de ídolo, alimentando a roda-viva do que nos anos 60 se costumava chamar de "indústria cultural".
BAIXO CALÃO NO PASQUIM
A resistência de Chico Buarque em liberar Roda Viva para encenação provavelmente não se deve apenas ao fato de o texto ter elementos datados. Existem também reais deficiências de construção dramatúrgica. Para o crítico e pesquisador de teatro Kil Abreu, é possível que Chico Buarque não tolere novas montagens de sua primeira peça justamente por considerá-la uma obra juvenil. "O texto tenta equilibrar a individualidade, na questão do artista que precisa se rebatizar para ser assimilado, e o social, abordando os temas da época de crítica ao consumismo e à televisão", diz ele. "Mas esses temas não são tão bem trabalhados como em Gota D'Água, e a estrutura fica desigual", completa. Segundo Kil, os personagens são também carentes de complexidade. Chico Buarque tem opinião parecida há muito tempo. Em entrevista dada ao jornal carioca Pasquim, em 1975, ele disparou, sem policiar o calão: "Roda Viva, antes que você fale, eu digo: 'É uma merda'".
Os diretores Zé Celso, Heron Coelho e Patrícia Zampiroli não concordam. Eles acham que Roda Viva ainda tem o que dizer nos tempos atuais e também acreditam na qualidade do texto. Existe no Brasil jurisprudência de peça rejeitada, nesse nível, pelo próprio autor? Há casos de excesso de zelo, mas não radicais a esse ponto. O crítico Kil Abreu lembra-se que o paraibano Ariano Suassuna faz uma supervisão rigorosa de seus textos, acompanhando de perto cada montagem. A jornalista Gabriela Mellão se recorda apenas de autores que reescreveram suas peças de juventude, como Plínio Marcos. O veto depois de uma primeira montagem, ao que parece, é situação inédita. E os apelos continuam: "Eu acho que o Chico devia fazer um exame de percepção. Ele, que lutou contra a censura, está censurando sua própria peça. Libera, Chico!", diz Zé Celso, que pede que sua fala seja endereçada como um pedido ao autor.
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Mariana Delfini é jornalista
FONTE: Revista BRAVO! Março/2010 - Edição Online
http://bravonline.abril.com.br/conteudo/teatroedanca/roda-viva-chico-buarque-nao-gosta-roda-viva-538137.shtml
Ói Nóis Aqui Traveiz chega a Uberlândia
A Trupe de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz presenteia Uberlândia com o espetáculo "O Amargo Santo da Purificação – Uma Visão Alegórica e Barroca da Vida, Paixão e Morte do Revolucionário Carlos Marighella", hoje às 16h na Praça Clarimundo Carneiro. Tive a oportunidade de assistir este mesmo espetáculo no ano passado na Praça da Sé em São Paulo e recomendo, é um teatro de rua feito com muitas cores, símbolos, alegorias e principalmente um excelente trabalho com máscaras. Vale a pena conferir.
Na sequência de cenas da peça, o público assiste a diversas passagens da trajetória de Marighella: origens na Bahia, juventude, poesia, ditadura do Estado Novo, resistência, prisão, democracia, constituinte, clandestinidade, ditadura militar, luta armada, morte em emboscada. "É uma história de coragem e ousadia, perseverança e firmeza em todas as convicções", diz a sinopse. "Marighella não abdicou ao direito de sonhar com um mundo livre de todas as opressões. Viveu, lutou e morreu por esse sonho."
A peça parte de poemas escritos por Marighella que, transformados em canções, são o fio condutor da narrativa. Com o uso de máscaras e de elementos da cultura afro-brasileira, a encenação cria uma fusão do ritual com o teatro dança.
sábado, 3 de abril de 2010
Cia. do Latão faz "experiência pedagógica" com público em ensaio aberto
Por GUSTAVO FIORATTI
da Folha de S.Paulo
A cena que estava em curso no palco do Sesc Santana mostrava uma viúva aflita, sem ter onde enterrar o marido morto. Um acordeão acompanhava com melodia triste, até que o diretor do grupo Latão, Sérgio de Carvalho, interrompeu. "Joga mais luz aqui, por favor, quero menos clima, ok?" Os atores congelaram por um momento, esperaram a mudança na iluminação, depois deram continuidade ao espetáculo inacabado, que a companhia deve estrear apenas em agosto.
A cena que estava em curso no palco do Sesc Santana mostrava uma viúva aflita, sem ter onde enterrar o marido morto. Um acordeão acompanhava com melodia triste, até que o diretor do grupo Latão, Sérgio de Carvalho, interrompeu. "Joga mais luz aqui, por favor, quero menos clima, ok?" Os atores congelaram por um momento, esperaram a mudança na iluminação, depois deram continuidade ao espetáculo inacabado, que a companhia deve estrear apenas em agosto.
É a primeira vez que o Latão experimenta um modelo já usado, por exemplo, por Zé Celso no Oficina. "Ópera dos Vivos" é o nome que a montagem, dividida em quatro pequenos espetáculos articulados, deve ganhar quando pronta.
Inclusive o texto da peça está apenas rascunhado, com base em uma pesquisa sobre a produção artística dos anos 60.
Imagem: Zanone Fraissat/Folha Imagem
Atores da Cia. do Latão em uma passagem de cena no ensaio do novo espetáculo do grupo, "Ópera dos Vivos"
Quatro histórias
Quatro momentos são reconhecidos pelo trabalho: os anos que antecedem o golpe de 1964, a produção artística que prossegue até 68, o retrocesso provocado pelo AI-5 e os anos que se estendem década de 1970 adentro, com o fortalecimento da indústria cultural.
O tema do endurecimento do regime aparece também sob uma perspectiva econômica, tendo ao fundo um aquecimento global em contraposição à paralisia provocada pelos atos institucionais e pela censura.
"Houve um corte histórico violento na produção artística. Muita gente morreu, muita gente foi exilada, muita gente foi levada para a clandestinidade, e alguns sobreviventes acabaram incorporados pela indústria cultural. Não é a toa que a geração de esquerda dos dramaturgos do Teatro de Arena foram trabalhar na Rede Globo", diz Carvalho.
A pesquisa traz traços de obras produzidas à época. É possível reconhecer uma espécie de sombra dos filmes de Glauber Rocha, do musical "Roda Viva", de Chico Buarque, e de peças de Oduvaldo Vianna Filho. Tudo redesenhado para evitar a iminência de um anacronismo ideológico e estético.
A polarização política que marcou a década pode ter dado base a "muita coisa ruim", inclusive nos anos posteriores que tentaram retratar o período, diz Carvalho, mas para ele aquela inquietação foi fértil e determinou caminhos futuros.
Uma de suas motivações para escrever "Ópera dos Vivos" foi um depoimento recente de Ferreira Gullar desqualificando sua própria experiência artística no pré-64, "como se ela tivesse sido ingênua politicamente e ruim esteticamente", diz Carvalho. "Como se a inquietação política que alimentava aquela obra antes fosse um limite, que a prendia a uma má qualidade estética. Isso é mentira", protesta o diretor.
ÓPERA DOS VIVOS: ABERTURA DE PROCESSO
Quando: Hoje e amanhã, às 20h; de 7 a 11 de abril, das 15h às 22h
Onde: Sesc Santana
(Av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 2971-8700)
Quanto: Grátis (12 anos)
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u715675.shtml
da Folha de S.Paulo
A cena que estava em curso no palco do Sesc Santana mostrava uma viúva aflita, sem ter onde enterrar o marido morto. Um acordeão acompanhava com melodia triste, até que o diretor do grupo Latão, Sérgio de Carvalho, interrompeu. "Joga mais luz aqui, por favor, quero menos clima, ok?" Os atores congelaram por um momento, esperaram a mudança na iluminação, depois deram continuidade ao espetáculo inacabado, que a companhia deve estrear apenas em agosto.
A cena que estava em curso no palco do Sesc Santana mostrava uma viúva aflita, sem ter onde enterrar o marido morto. Um acordeão acompanhava com melodia triste, até que o diretor do grupo Latão, Sérgio de Carvalho, interrompeu. "Joga mais luz aqui, por favor, quero menos clima, ok?" Os atores congelaram por um momento, esperaram a mudança na iluminação, depois deram continuidade ao espetáculo inacabado, que a companhia deve estrear apenas em agosto.
É a primeira vez que o Latão experimenta um modelo já usado, por exemplo, por Zé Celso no Oficina. "Ópera dos Vivos" é o nome que a montagem, dividida em quatro pequenos espetáculos articulados, deve ganhar quando pronta.
Inclusive o texto da peça está apenas rascunhado, com base em uma pesquisa sobre a produção artística dos anos 60.
Imagem: Zanone Fraissat/Folha Imagem
Atores da Cia. do Latão em uma passagem de cena no ensaio do novo espetáculo do grupo, "Ópera dos Vivos"
Quatro histórias
Quatro momentos são reconhecidos pelo trabalho: os anos que antecedem o golpe de 1964, a produção artística que prossegue até 68, o retrocesso provocado pelo AI-5 e os anos que se estendem década de 1970 adentro, com o fortalecimento da indústria cultural.
O tema do endurecimento do regime aparece também sob uma perspectiva econômica, tendo ao fundo um aquecimento global em contraposição à paralisia provocada pelos atos institucionais e pela censura.
"Houve um corte histórico violento na produção artística. Muita gente morreu, muita gente foi exilada, muita gente foi levada para a clandestinidade, e alguns sobreviventes acabaram incorporados pela indústria cultural. Não é a toa que a geração de esquerda dos dramaturgos do Teatro de Arena foram trabalhar na Rede Globo", diz Carvalho.
A pesquisa traz traços de obras produzidas à época. É possível reconhecer uma espécie de sombra dos filmes de Glauber Rocha, do musical "Roda Viva", de Chico Buarque, e de peças de Oduvaldo Vianna Filho. Tudo redesenhado para evitar a iminência de um anacronismo ideológico e estético.
A polarização política que marcou a década pode ter dado base a "muita coisa ruim", inclusive nos anos posteriores que tentaram retratar o período, diz Carvalho, mas para ele aquela inquietação foi fértil e determinou caminhos futuros.
Uma de suas motivações para escrever "Ópera dos Vivos" foi um depoimento recente de Ferreira Gullar desqualificando sua própria experiência artística no pré-64, "como se ela tivesse sido ingênua politicamente e ruim esteticamente", diz Carvalho. "Como se a inquietação política que alimentava aquela obra antes fosse um limite, que a prendia a uma má qualidade estética. Isso é mentira", protesta o diretor.
ÓPERA DOS VIVOS: ABERTURA DE PROCESSO
Quando: Hoje e amanhã, às 20h; de 7 a 11 de abril, das 15h às 22h
Onde: Sesc Santana
(Av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 2971-8700)
Quanto: Grátis (12 anos)
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u715675.shtml
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