domingo, 3 de maio de 2009

O Teatro Brasileiro veste luto por Augusto Boal.


"O Teatro do Oprimido é o teatro no sentido mais arcaico do termo. Todos os seres humanos são atores - porque atuam - e espectadores - porque observam. Somos todos 'espect-atores'."- Augusto Boal


É uma grande pena iniciar as minhas atividades aqui neste blog já com a notícia da grande perda que o Teatro Brasileiro sofreu neste fim de semana,(02/05/2009) a morte de Augusto Boal, ele sofria de leucemia e estava internado na CTI do Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro. No final de março, ainda teve forças para marcar presença na conferência da UNESCO, em Paris, onde recebeu o título de Embaixador Mundial do Teatro. Seu corpo foi cremado na tarde deste domingo (03/05) no Cemitério
do Caju, no Rio.
Boal foi diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta brasileiro, uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional. Fundou o Teatro do Oprimido, que alia o teatro à ação social, suas técnicas e práticas difundiram-se pelo mundo, notadamente nas três últimas décadas do século XX, sendo largamente empregadas não só por aqueles que entendem o teatro como instrumento de emancipação política mas também nas áreas de educação, saúde mental e no sistema prisional.
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HISTÓRICO

Teatro do Oprimido (TO) é um método teatral que reúne Exercícios, Jogos e Técnicas Teatrais elaboradas pelo teatrólogo brasileiro Augusto Boal. Os seus principais objetivos são a democratização dos meios de produção teatrais, o acesso das camadas sociais menos favorecidas e a transformação da realidade através do diálogo (tal como Paulo Freire pensou a educação) e do teatro. Ao mesmo tempo, traz toda uma nova técnica para a preparação do ator que tem grande repercussão mundial.

A sua origem remete ao Brasil das décadas de 60 e 70, mas o termo é citado textualmente pela primeira vez na obra Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Este livro reúne uma série de artigos publicados por Boal entre 1962 e 1973, e pela primeira vez sistematiza o corpo de idéias desse teatrólogo.

Metodologia
O Teatro do Oprimido é um método estético que sistematiza Exercícios, Jogos e Técnicas Teatrais que objetivam a desmecanização física e intelectual de seus praticantes, e a democratização do teatro.

O TO parte do princípio de que a linguagem teatral é a linguagem humana que é usada por todas as pessoas no cotidiano. Sendo assim, todos podem desenvolvê-la e fazer teatro. Desta forma, o TO cria condições práticas para que o oprimido se aproprie dos meios de produzir teatro e assim amplie suas possibilidades de expressão. Além de estabelecer uma comunicação direta, ativa e propositiva entre espectadores e atores.

Dentro do sistema proposto por Boal, o treinamento do ator segue uma série de proposições que podem ser aplicadas em conjunto ou mesmo separadamente.

Cumpre ressaltar que todas as técnicas pressupõem a criação de grupos, onde o Teatro do Oprimido terá sua aplicação.

Teatro Jornal
Consiste na escolha de uma determinada notícia, publicada no meio impresso, que é discutida pelo grupo, procurando deste modo verificar quais os pontos que eventualmente sofreram censura, quais os interesses por detrás da informação ali contida, como as pessoas descreveriam o fato, etc.

As nove técnicas que integram este exercício foram preparadas como forma de conscientização durante a ditadura militar na qual vivia o Brasil, em 1971 - ano de sua elaboração.

Teatro Imagem
Técnica onde se procura transformar em imagens cênicas aquilo que interessa ao grupo, tais como questões sociais (por exemplo: o preconceito racial), sentimentos ou condições que, passando do abstrato ou imaginário para o concreto, pela visualização da apresentação, torna-se real e, portanto, mais assimilável sua compreensão, debate, questionamento.

Teatro Invisível
Teatro invisível é uma forma de encenação na qual apenas os atores sabem que de fato há uma encenação. Aqueles que a presenciam devem considerá-la um acontecimento real, seja ele banal ou extraordinário dentro da expectativa onde ocorre, e por isso é impreciso chamá-los “espectador”, que indica o apreciador de um espetáculo que aceita a ficção como realidade sempre consciente desse jogo de faz-de-conta. Para que seja realizável, o teatro invisível ocorre geralmente em espaços públicos ou de ampla circulação, não em um edifício teatral. O “espectador” torna-se participante inconsciente da representação imprevisível. Como os atores não devem revelar a encenação mesmo após o fim da cena, os que a presenciam acabam por julgar e significar o próprio acontecimento e não a performance de sua encenação, o que nega radicalmente as categorias tradicionais do teatro e dificulta a apreciação crítica, além de impossibilitar qualquer estimativa do número de encenações desse tipo, pois várias ou nenhuma podem ocorrer diariamente conforme a interpretação dos acontecimentos.

Por exemplo, o ator pode simular um mendigo numa rua, verificando as reações dos transeuntes que, então, são levados a reagir espontânea e verdadeiramente ao questionamento que se lhe apresenta.

Teatro-Fórum
É a principal técnica do Teatro do Oprimido. Um espetáculo baseado em fatos reais, no qual personagens oprimidos e opressores entram em conflito, de forma clara e objetiva, na defesa de seus desejos e interesses. Neste confronto, o oprimido fracassa e o público é convidado a entrar em cena, substituir o Protagonista (o oprimido) e buscar alternativas para o problema encenado.

O Teatro-Fórum busca romper os rituais tradicionais do teatro que reduzem o público ao imobilismo, à passividade. A idéia é o estabelecimento de um diálogo entre palco e platéia, onde os espectadores se auto-ativariam ao entrar em cena para transformar a peça. Em função disso, Boal sugere que no Teatro do Oprimido não há espectadores, mas "espect-atores". Este diálogo é mediado por um "coringa", pessoa que atua como interlocutor entre a peça e a platéia.

Arco-Íris do Desejo
“Método Boal de Teatro e Terapia” Um conjunto de técnicas terapêuticas e teatrais, adequadas para a análise de questões interpessoais e/ou individuais.

O teatro torna-se veículo da análise em grupo dos problemas relacionais e pessoais, usado tanto para o conjunto do Teatro do Oprimido e seus propósitos como terapia em instituições para tratamento psiquiátrico.

Teatro Legislativo
No Teatro Legislativo, além das intervenções na ação dramática, os espectadores também são estimulados a escreverem propostas de leis, que visem à resolução do problema apresentado. Essas propostas são recolhidas e entregues à Célula Metabolizadora: equipe formada por um especialista no tema encenado, um assessor legislativo e um advogado com experiência na área, cuja função é fazer a "metabolização" das propostas, ou seja, analisá-las e sistematizá-las, para que sejam novamente encaminhadas à platéia para discussão e votação, ao final da apresentação, quando se instaura a Sessão de Teatro Legislativo.

Através dessa iniciativa, até o momento, já foram produzidas doze leis municipais, um decreto legislativo, uma resolução plenária, duas leis estaduais e dois projetos de lei em tramitação, na cidade e no estado do Rio de Janeiro, todas oriundas da interação de grupos populares com a população. Esses resultados demonstram a viabilidade da democratização da política através do teatro, que estimula o exercício da democracia direta e participativa.

Evolução: a Estética do Oprimido
As iniciativas de Boal e do CTO-Rio, dentro dos propósitos do Teatro do Oprimido vêm sendo ampliadas constantemente. Assim, integrando o Sistema, está sendo desenvolvida a "Estética do Oprimido". Esta tem por fundamento a certeza de que somos todos melhores do que pensamos ser, capazes de fazer mais do que realizamos, porque todo ser humano é expansivo.

A proposta é promover a expansão da vida intelectual e estética de participantes de Grupos Populares de Teatro do Oprimido, evitando que exercitem apenas a função de ator, que representa personagens no palco. Os integrantes desses grupos são estimulados, através de meios estéticos, a expandirem a capacidade de compreensão do mundo e as possibilidades de transmitirem aos demais membros de suas comunidades - bem como aos de outras - os conhecimentos adquiridos, descobertos, inventados ou re-inventados. (2007).

Para saber mais

Referências
BOAL, Augusto - Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2005. Edição revista; (ISBN 85-200-0265-X)
BOAL, Augusto - "Técnicas Latino-Americanas de teatro popular: uma revolução copernicana ao contrário". São Paulo: Hucitec, 1975.
BOAL, Augusto - "Stop: ces’t magique". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
BOAL, Augusto - "O arco-íris do desejo: método Boal de teatro e terapia". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.
BOAL, Augusto - "Teatro legislativo", Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
BOAL, Augusto - "Jogos para atores e não-atores". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
BOAL, Augusto - "O teatro como arte marcial". Rio de Janeiro: Garamond, 2003.

Um comentário:

  1. Oi Dudu, o blog tá ótimo, adorei a idéia! Foi mesmo uma grande perda pro nosso teatro. Conheci o trabalho de Boal em uma oficina de Teatro do Oprimido, é realmente incrível o trabalho dele. Mas não sabia que tinham esses modos todos dentro do TO, lendo aqui identifiquei que na oficina, trabalhamos com o Teatro Fórum! Muito bacana... continue! Beijos.

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