segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Amir Haddad reafirma sua vocação popular com espetáculos teatrais

Por Daniel Schenker, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Há continuidade e ruptura no caminho de Amir Haddad. Escola de Molières, novo espetáculo que tem estreia marcada para sexta-feira no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico, confirma seu vínculo com a dramaturgia de Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière.

Mesmo trabalhando em espaço fechado (mas o mais aberto entre eles, faz questão de frisar o encenador), Haddad permanece sintonizado com o teatro de rua. Foi no momento em que decidiu sair para a rua que o diretor – testemunha da fundação do Teatro Oficina, parceiro artístico de Sérgio Britto no Teatro Senac e figura central em grupos como A Comunidade e Tá na Rua, deu uma guinada em sua carreira, até hoje lembrada por encenações emblemáticas, como Tango e Somma.

Por que o senhor decidiu retomar a dramaturgia de Molière nesse momento?

Quando decidi sair da sala fechada rumo aos espaços abertos procurei recuperar o fio da história. Fui atrás do teatro dos séculos 16 e 17. O improviso de Versalhes não é simplesmente sobre burgueses e marqueses corruptos, sobre a hipocrisia da corte. É um texto sobre teatro, contemporâneo para nós. E ancestral. Queria, através desse trabalho, revisitar o meu passado. Percebo uma identificação entre a minha história e a de Molière. Ele abandonou um tipo de teatro e travou contato com atores da commedia dell'arte, com bufões. Andou pela periferia. Como Molière, Federico García Lorca também trilhou um percurso parecido com o meu: fez teatro em espaços abertos, buscou inspiração na rica cultura de seu povo.

Como foi feita a costura dramatúrgica, a mescla de trechos de várias das peças de Molière?

Fomos nos orientando pelos temas. Abordamos tópicos como a questão conjugal e a oposição entre erudito e popular. O saber erudito traz arrogância e poder. E a hipocrisia gera adeptos no mundo inteiro.

Na sua opinião, o teatro popular está irremediavelmente ligado aos séculos 16 e 17?

À medida que o tempo passou, a burguesia construiu suas salas de espetáculos. Goldoni, no século 18, estabeleceu novas regras: a plateia não gostaria de ser incomodada, a quarta parede seria desejável. Mirandolina é considerada a primeira peça do realismo burguês. Antes, o teatro não servia a uma única classe social. Os atores representavam para os reis e para o povo. A plateia era heterogênea. Molière utilizava uma linguagem popular. Em que medida falavam mal das peças dele porque tinham preconceito em relação ao povo? Mas o popular é permanente, eterno. O que muda é o ideológico. O teatro é eternamente velho e eternamente novo.

Como o senhor explica o fato de um autor popular como Molière pertencer ao chamado período do classicismo francês, juntamente a dramaturgos trágicos como Racine e Corneille, pautados pelo respeito às regras formais?

Ele não era afinado com as regras classicistas. Escrevia tragédias, sob a forma de comédias, como Don Juan e O misantropo.

O senhor destaca uma importante transição na sua carreira: o momento em que aderiu aos espaços abertos. Se por um lado a sua trajetória pode ser encarada através das rupturas, por outro também pode ser analisada como decorrente de uma continuidade, de uma coerência?

Há uma continuidade. Busco o fluxo permanente do teatro dentro do ser humano. Sempre pergunto: o que é teatro? De onde vem? Acho que, ao longo do tempo, recuperei a possibilidade da ancestralidade no teatro.

O senhor localizaria a principal transição na sua carreira no momento em que esteve à frente do grupo A Comunidade?

De certo modo. Foi quando migrei para outro espaço, o do Museu de Arte Moderna. Naquela época, muita gente queria fazer teatro em espaços não convencionais. A contracultura avançava. A cena italiana estava abalada. No final dos anos 70, o teatro voltou a ficar careta. Chegaram a botar tela na frente dos atores.

Nos espetáculos que vem realizando no Espaço Tom Jobim, o senhor dirige os atores como se estivessem na rua?

Sim, ainda que seja, evidentemente, diferente. É o espetáculo que organiza o mundo. Há uma arquitetura no Espaço Tom Jobim que envolve o espectador. É onde exerço de maneira mais livre as minhas conquistas. Das áreas fechadas da cidade, é a mais aberta. Lá, a natureza entra.

Antes do período de ensaios de 'Escola de Molières', o senhor realizou oficinas, como em 'Bodas de sangue'. Foram processos semelhantes?

Foram similares. Ao mesmo tempo, Escola de Molières representou um avanço. Tivemos quatro meses de oficinas. Delas, um grupo de atores foi selecionado. A partir daí, mergulhamos em Molière. Mais do que o elenco de Bodas de sangue, aqui os atores já conheciam minha maneira de trabalhar.

Coletivo de 28 atores em cena

Escola de Molières é composto pela apresentação integral de O improviso de Versalhes – peça escrita em 1663, centrada num grupo de artistas que se vê diante da tarefa de apresentar um trabalho que ainda não está pronto ao rei Luís 16 – e por trechos de vários textos de Molière (Escola de mulheres, Don Juan, O misantropo, Médico à força, As eruditas, O avarento e Doente imaginário), além de cartas e documentos de época. Influência decisiva nas carreiras de Renata Sorrah, Jacqueline Laurence e Pedro Cardoso, Amir Haddad conduz agora um coletivo de 28 atores que conta com as presenças de Tereza Seiblitz, Ângela Rebello, Catarina Abdalla, Regina Gutman, Saulo Arcoverde, Caetano O'Maihlan e Léo Rosa, todos engajados num processo de oito meses (quatro de oficinas, quatro de ensaios).

O espetáculo, que estreia nesta sexta-feira no Teatro Tom Jobim, é a segunda materialização cênica de um projeto de pesquisa e experimentação desenvolvido desde julho de 2008 pelo Espaço Tom Jobim em parceria com o diretor Amir Haddad – a primeira foi Bodas de sangue, de Garcia Lorca, encenada no início do ano passado. Cerca de 150 atores já passaram pelas oficinas, dentre eles Tonico Pereira, Letícia Iris Bustamante e Virgínia Cavendish.

>> Em cartaz

Escola de Molières

Teatro do espaço tom Jobim, Rua Jardim Botânico, 1008 (2274-7012). 6ª, às 21h, Sab. e dom. às 20h30. R$ 50. Estreia sexta-feira.

FONTE: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/07/27/e270720804.asp